B- Side
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Hoje acordei mais para lá do que para cá, literalmente. Eu tenho, pelo menos, duas versões de mim. Atrevo-me a dizer que uma dessas versões é moderadamente sociável, já a outra nem por isso. Li uma frase algures, era eu uma parvinha adolescente [que previa para si própria um destino terrível, a abarrotar de desgraças, quando, naqueles sábados à noite, o poder paternal se impunha e dizia “Hoje ficas a ver a vida através da tela.”], que ditava assim:
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"Espelho de duas faces: ora plana, ora curva. Ora límpida, ora turva. Numa te afirmas, na outra te negas... em ambas crês.".
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A adolêscencia foi-se, a parvoíce insiste. Portanto, hoje acordei turva e curva. Houve até quem me dissesse que, este meu lado B [ou será o A?!], faz de mim uma pessoa “cáustica”, e eu até hoje ainda não arranjei adjectivo que melhor o descrevesse. Não é necessário existir uma causa que justifique o despertar desse "monstro caústico" em mim. Acordo e pronto... lá está ele de olhos esbugalhados, a ler um livro ou a tomar café, a fingir que não incomoda ninguém. Já houve até um par de vezes em que me obriguei a deitar-me cedo demais, porque a minha própria paciência declarou-se vencida, na batalha de me aturar a mim própria. Nesses dias, esqueço completamente a noção de movimento, e permito-me acreditar que é enquanto se dorme que os dentes se mexem e a vida se resolve.
Quer isto dizer que o meu dia hoje não está a correr muito bem … E em vez do sossego que a alma reclama aos gritos…
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O homem do gás voltou outra vez. Mais uma vez. Anda por aí, sobe e desce, diz ele que há coisas que precisam de ser feitas, “pra legalizar”. Eu deixo-o. Deixo-o, porque sou gaja e a mínima suspeita de que o aviso “perigo de explosão” se pode tornar realidade, me força ao afastamento. Crio a distância que me é possível, não a desejada. Se bem que, gaja que é gaja, em eminência de perigo, cria uma distância segura, mas não exagerada. Afasta-se só até onde sabe que não se pode aleijar, e não mais que isso, não vá a coisa realmente dar-se: "Ai, nem imaginas o que aconteceu e estava tão perto... e foi assim e assim, e blá, blá…” . Seja como for, deixei-o lá, a martelar e a esburacar à vontade, mas, enquanto enchia a chávena de café, deixei-lhe bem claro com o olhar: "Vê lá se desamparas de uma vez por todas, isto é uma casa, não é uma central.".
Lembro-me que devia ir à faculdade. Tenho assuntos pendentes com o gabinete de contabilidade dessa instituição. Fui lá ontem. A “responsável” não estava. Tinha ido a uma consulta, e podia ou não voltar. Perguntei “Então como vamos resolver este problema?”. Resposta “Pois…eu não sei.”. Contra resposta “Se você não sabe, eu muito menos.”. Ontem, como foi um dia como outro qualquer, aceitei a mensagem entre linhas “Por favor, não me obrigue a tomar qualquer procedimento para a solução do seu problema. Não posso passar por isso agora, depois de 20 anos a trabalhar na função pública.”. Devia lá voltar hoje, mas hoje para mim não é dia de voltas.
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Bebi o café na varanda posta ao sol. Há qualquer coisa nos horizontes que dominam o reboliço cá dentro. O homem sai, sem prometer voltar. Silêncio: “O meu tornado está a descansar.”